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Parto Priscila, Ronaldo e Noah

Atualizado: 18 de jul. de 2019



Hoje escrevo meu relato de parto para lembrar detalhes do momento mais lindo e desesperador que já vivi e para inspirar outras famílias.


Escrevo para combater a violência obstétrica que a maioria das mulheres vêm sofrendo. Escrevo para as mulheres traumatizadas por terem vivido o que elas descrevem como “pior momento de suas vidas”. Deveria ser o momento mais sublime e pleno...

Isso tem que acabar. Só vai acabar quando, nós, mulheres, resgatarmos nossa natureza e entendermos o que está acontecendo dentro dos hospitais. Para que essa gestante saiba dizer NÃO a violência. Muitas pessoas me dizem “Você foi muito corajosa, pariu em casa!”. Na verdade, na minha opinião, corajosa é a mulher que escolhe parir no hospital. A partir do momento que você entra, eles fazem o que bem entendem com você e com o seu bebê. A mulher se sente impotente. Mesmo aquelas que estudaram, se decidiram sobre como querem parir podem ser ludibriadas por estarem instáveis emocionalmente, com dor e cheias de hormônios.


Escrevo para que os seres humanos voltem a nascer com respeito e amor.

Segunda-feira, dia 14 de maio de 2018 acordei as 6 da manhã sentindo algo parecido com cólicas menstruais. Durante o dia as dores foram se intensificando, minha enfermeira obstétrica Ju disse que poderiam ser as contrações de treinamento. Baixei um aplicativo no celular para monitorar as contrações. À tarde, fomos ao mercado, eu comecei a me curvar de dor. Logo, não conseguia mas registrar as contrações no aplicativo por causa da dor.


Voltamos para casa, comi um pedaço de pizza, fui logo para o banheiro fazer cocô (o corpo se prepara, se limpa, por isso não é necessário fazer lavagem), e nossa enfermeira Juliana chegou. Reclamei de dor e comentei que tinha certeza de que não eram contrações de treinamento. A Ju concordou. Vomitei o que comi.

Depois disso fica difícil lembrar dos detalhes.


Sei que queria muito entrar na piscina que tínhamos montado de manhã para ver se não estava furada, mas a água estava fria e o Ronaldo e as enfermeiras ainda estavam esquentando a água. Não sei o que fiz enquanto esperava.

Depois entrei na água e a sensação foi de alívio, mas não muito. Logo, a única posição suportável era de quatro apoios. Fiquei quase o tempo todo na banheira, quando não aguentava mais de dor nos braços me soltei na borda da piscina.


Eu pensava coisas como:

” Se essas mulheres conseguiram, eu também conseguirei.”, “Por quê, Jesus, precisa doer tanto para nascermos? Não é justo!”, “ Priscylla, por quê você escolheu esse caminho? Pra quê isso?


Não vou aguentar essa dor. É pelo Noah, é por mim, é por elas,” eu pensava.

E reclamava quase sem voz: ”Como essas mulheres conseguem lá no hospital, sendo agredidas? Como Ju? Não tem como porque aqui já está insuportável!”. Clamei pela minha mãe: “Ai, mamãezinha, me ajuda.” Ela respondeu enquanto eu apertava sua mão: “Filha, não tem o que fazer”.

Clamei por Deus, por Jesus, “Jesus, me ajuda, por favor”.

Conversei em pensamento com ela, Nossa Senhora. Pedi ajuda. É muita dor. É uma cólica que parece que estão torcendo seus órgãos por dentro.


Chegou um momento em que tive que aceitar a dor. Afinal, não tinha para onde correr. “Preciso passar por isso, sente a dor, aceita que vai ser melhor.”

Todos me ofereceram suco de açaí, lembro-me de ouvir o Ronaldo me oferecendo mas eu não conseguia falar. Eles disseram que eu respondia de alguma forma vários minutos depois que a pergunta era feita. Tomava com ajuda de um canudo, impossível beber do copo. Impossível pensar em comer nesse momento.


Depois de um tempo o Ronaldo me perguntou se eu não queria ir para o banquinho ficar de cócoras porque eu estava muito vermelha e com a cabeça muito baixa apoiada na borda da piscina. Eu não conseguia falar de tanta dor. Lembro que a outra enfermeira, a Mari chegou junto com a fotógrafa Clara. Eu só conseguia gritar, ou segundo a minha mãe, eu urrava. A dor é insuportável. A Ju dizia que estava indo muito bem, pela minha linha púrpura a dilatação estava boa. Fazer o toque muitas vezes é desnecessário e aumenta as chances de infecção. Eu achava que a Ju estava “me enganando” dizendo que estava progredindo, eu tinha medo de perguntar sobre a dilatação. Ela disse que se eu quisesse ela poderia medir. Resolvi continuar sem saber.

Dor, dor, dor. Não conseguia abrir os olhos. Não via mais ninguém. Ouvia vozes mas não conseguia responder. Estado de consciência totalmente alterado.


Passou pela minha cabeça o arrependimento de ter escolhido o parto domiciliar humanizado. Vi que a Ju estava na minha frente, acho que apertei sua mão e disse que não conseguiria mais aguentar aquilo tudo. Consegui ir para o banquinho, começou o período expulsivo. Fiquei com medo. Muito medo. A Ju falou para eu sentir a cabecinha dele. “Tô sentindo”, eu disse. Elas colocaram um espelhinho mas não conseguiram deixar no ângulo certo para eu ver o Noah. A Ju perguntou se eu queria fazer Sling ou rebozo. Eu disse “Que sling?”.


Ela pegou uma canga, colocou ao redor de sua cintura para eu puxar quando viesse a contração. Foi muito bom porque agora eu conseguia me apoiar.

Quando veio a contração senti que meu bebê estava no canal vaginal. Senti que ele estava pronto para vir. Veio o círculo de fogo. “Ju, acho que to sentindo o círculo.” Ela gentilmente sorri e diz: “Que bom Pri”.


Urrei.Aquele som que vem lá de dentro. Não é opcional. O tempo parou. Meu Deus, o meu bebê vai sair. “ Será que sai mesmo?”, pensei. Mais uma contração. Esse período tem uma dor diferente do anterior. As dores parecem espaçadas mas você já está exausta, afinal, tá acabando. Ao mesmo tempo, senti alívio.”Deve estar acabando, só falta sair agora.” “Será que passa?”. Lembro de imaginar ele saindo como forma de alívio, de mentalização. “ Ele consegue”, “ Nós vamos conseguir”. “Vem Noah!”. Senti medo. “Ju estou com medo”, eu disse olhando dentro dos seus olhos recheados de amor.


“É normal Pri”, ela me diz. Nesse momento tinha medo de dar tudo de mim nas contrações. Medo que meu períneo fosse lacerar, romper, explodir! Mas logo pensei, “Quer saber, vamos acabar logo com isso! Seja o que Deus quiser!”.


Veio a próxima contração, urrei, urrei, urrei enquanto puxava com as duas mãos a canga que envolvia a enfermeira Mari que aguentava minha força em pé com seu corpo. A Ju pediu para trocar com a Mari, afinal, eu sou bem fortinha, cheguei a pensar que estava machucando elas ao puxar.


Muitas mulheres acabam fazendo força no momento errado a pedidos dos médicos ou enfermeiros, o que ocasiona mais facilmente a laceração do períneo. Importante lembrar que é nesse momento que eles fazem a episiotomia, que é o procedimento do corte proposital do períneo para o bebê “passar mais facilmente”. Esse procedimento é ilegal. ILEGAL. Vem sendo feito a anos, minha mãe sofreu episiotomia. Esse procedimento é desumano, deixa a mulher com dor por anos, prejudica a relação sexual e a vida no pós-parto. Hoje meu períneo esta íntegro porque segui os impulsos fisiológicos que meu corpo pedia. Ouvi a contração e fiz força. Esse corte que os médicos realizam é totalmente desnecessário.


Só precisamos esperar o tempo do bebê nascer e ouvir nosso corpo. Para mim, o período expulsivo parece que demorou 20 minutos mas na verdade foi das 22:45 até o nascimento às 1:36. Eu conseguia descansar entre as contrações e me deitava sobre o Ronaldo que estava sentado atrás de mim.


Uma parte da cabecinha saiu e a Ju me pediu para sair do banquinho. Fiquei confusa e logo depois elas pediram para eu ficar de quatro apoios. Aconteceu a distócia de ombro, quando o ombro fica entalado na hora do período expulsivo. Olha a coincidência! Eu fui a modelo delas no curso para enfermeiros que elas ensinaram como fazer a manobra para o bebê finalmente conseguir passar nesses casos de distócia de ombro.


O Ronaldo me ajudou a me posicionar de quatro apoios, e a Ju pediu para eu fazer mais uma forcinha que ele logo sairia. Foi o único momento em que ela me pediu algo porque elas compreendem que é a mulher que faz o parto, elas simplesmente assistem e contribuem com sua experiência e conhecimento em exemplos como esse e garantem que o bebê está bem monitorando os batimentos cardíacos de 15 em 15 minutos e depois de 5 em 5 minutos. Quando ela ia medir os batimentos cardíacos doía mais ainda. Devo ter feito uma cara feia e a Ju disse, “ Eu sei que é ruim Pri mas preciso ver como o Noah está.” Aguentei.


A mulher sabe a hora de fazer força, é fisiológico. É como uma onda que vai e vem.

Fiz 2 ou 3 forças e o Noah nasceu! Ela disse, “Pega ele Pri!”, mas eu não consegui. Estava em transe. Não sentia direito as minhas pernas. Eu ia conhecer o meu filho!

Fiquei agachada, Ronaldo ficou atrás de mim e a gente namorou o Noah. Meu mundo parou. O tempo parou. Estava com o meu filho nos braços. Que sensação indescritível!

Eu consegui parir!


Nós conseguimos, Noah!


Com ajuda, consegui me levantar e fomos para a cama esperar a placenta nascer. Tomei injeção de ocitocina, pois as enfermeiras me disseram que saiu bastante sangue, esse é o procedimento para evitar hemorragia. Nesse momento, Noah já estava mamando, Ronaldo estava do meu lado na cama e nós ficamos juntos amando nosso filho, cheirando ele pela primeira vez.


Noah nasceu com pouco vernix, aquela proteção branquinha que cobre a pele do bebê. Ela é importantíssima para regular a temperatura do recém nascido, por isso o banho imediato não é necessário, ele deve ser adiado. Seu cheirinho nos deixava em êxtase. Ainda deixa. Noah não nasceu roxo, apesar disso ser normal.


Nunca vou esquecer desse momento, do cheiro, do sangue em seu corpinho e do cordão em cima da minha barriga. O cordão também não deve ser cortado logo que o bebê nasce, pois por algum tempo o bebê continua recebendo nutrientes e oxigênio, principalmente ferro. Quando o cordão parou de vibrar, o Ronaldo cortou. Depois fiquei de cócoras em cima da cama e a placenta nasceu. Foi incômodo e doloroso. Recebemos e honramos a minha placenta sagrada, a Ju e a Mari diziam, “ Que placenta maravilhosa, que linda Pri!”. Eu a toquei.


Ficamos namorando o Noah mais um pouco e depois a Ju me levou para tomar banho. Após o banho, utilizei o óleo de copaíba na região genital que ajuda bastante na cicatrização da região e também diminui o ardido na hora de fazer xixi.


Depois do banho, voltei para a cama, conversamos mais um pouco com as enfermeiras e com a Clara. Eu estava exausta mas não conseguia parar de olhar para o Noah que mamava novamente. Que sensação maravilhosa! As enfermeiras Ju e Mari e a fotógrafa Clara foram embora acho que por volta das 4 ou 5 da manhã.


Ronaldo estava exausto e logo pegou no sono. Eu não conseguia dormir. Sentia o meu corpo vibrar, ainda sentia a adrenalina no meu sangue. Olhava para o lado, lá estava o nosso filho com aquele cheirinho extasiante.


Gratidão Universo por me proporcionar a dádiva de ser mãe.

Hoje, compreendo o que é a força feminina.

Hoje sinto o que é ser mulher.

Hoje sei o que significa ser uma deusa.

Todas nós somos deusas. Somos fonte de vida. Somos fortes, ah como somos! Precisamos ser...

Hoje termino o meu relato com 22 dias de Noah, 22 dias em que renasci como ser humano, hoje me sinto mulher. Hoje sinto as mulheres. Renasci.

O pós parto é outra maratona, um momento mais desafiador que o próprio parto, principalmente porque nós, mulheres, nos vemos bastante sozinhas.

Não vivemos mais em comunidade. Isso afeta muito o mundo porque afeta nossa conexão com o ser que acabou de chegar.


Além disso, nossa sociedade não contribui para que nosso companheiro esteja mais presente em casa, a licença paternidade de 20 dias é insuficiente. A nova rotina é exaustante para todos, mas principalmente para a mãe. Essa mãe precisa de apoio emocional, precisa de tempo para descansar e para se alimentar. Os hormônios que antes estavam a mil, agora caem drasticamente provocando mais cansaço e tristeza. A solidão não contribui. Eu estou tomando as cápsulas da minha placenta que são um santo remédio! Não sei como eu estaria se não as tivesse! Elas dão disposição e ajudam emocionalmente.


A nossa sociedade é patriarcal e machista.

Isso precisa mudar. Eu não sei como mas acho que começa por percebemos que alguma coisa está errada no pós-parto.

Noah, prometo te mostrar a minha visão do mundo, prometo te contar sobre as mulheres, somos tão encantadoras!


Prometo te contar sobre como a mulher sofre, sim, nós SOFREMOS. Diariamente. Sofremos na infância sendo responsabilizadas pelas nossas atitudes muito mais cedo que os homens, sofremos na disputa irracional no mercado de trabalho, sofremos sendo sexualizadas na mídia, somos tratadas como objeto de prazer, sofremos pressão pela busca do corpo perfeito divulgado por toda parte. Isso nos atrapalha em relação ao amor- próprio! Sofremos no parto sendo vítima da violência obstétrica, que nos abusa fisicamente e verbalmente, nos corta e retira nosso papel ativo, afinal, nós somos a protagonista! Nós fazemos o parto! Parir é coisa de mulher. Isso está se perdendo...

Sofremos na amamentação. No meu caso, o Noah teve a “pega” correta facilmente mas hoje sinto as dores nos mamilos sugados na livre demanda. A dor compensa quando sei que estou dando o melhor de mim, o meu leite que nutre e protege o sistema imunológico melhor que qualquer coisa! É um misto de prazer e dor, te ver, te sentir tão pertinho!Sofremos no pós-parto cansativo e solitário, pois para a maioria das mulheres não tem na rotina somente os novos cuidados com o bebê, mas a mulher-mãe precisa continuar os afazeres domésticos, precisa dar conta dos outros filhos, da casa, da roupa, da alimentação familiar, do companheiro...a lista é grande! Isso é recorrente na nossa sociedade, não somente no pós-parto mas como uma realidade familiar. Sofremos com a dupla jornada.


Noah, um dia, quem sabe, você possa ser um homem mais sensível do que os homens que encontramos na minha geração e nas gerações anteriores. Não os culpo. Foram criados, educados para agirem de tal forma. Não tiveram o exemplo de seus pais. Não têm na memória os pais cuidando do lar e cozinhando, por exemplo. Por isso, Noah, juntos podemos quebrar esse ciclo. Que venha o novo homem para criar uma vida mais interessante, com mais amor, mais respeito, mais sensibilidade, mais diálogo, mais sabedoria! Será esse pensamento uma utopia?


Mulher, guerreira, deusa, estou contigo. Estamos juntas!

Sou grata pelo acompanhamento do grupo Hanami composto por profissionais que além de competentes, são sensíveis, são humanas.

Sou grata pela presença da minha mãe no parto e pós-parto. Mãe, você é fonte de inspiração. Como é bom te sentir!


Sou grata pelo meu companheiro que esteve ao meu lado o tempo todo e hoje se esforça para ser o melhor possível para a nossa família. Não é fácil!

Sou grata pelas minhas amigas que deixaram uma energia de força muito intensa durante o chá de bençãos. Não consigo descrever como pensar em vocês durante o parto me ajudou. Sou grata por ter vocês na minha vida.

Sou grata ao Universo, a Deus, o que quer que seja essa energia divina que nos cria e nos acompanha.




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