Quando pensei em parto pela primeira vez, já grávida, automaticamente
imaginei-me parindo como minha mãe e tias: em uma cesárea pelo SUS. No
entanto, como toda grávida de primeira viagem e insegura, fui em buscas de todo
o tipo de informação e relatos de pessoas próximas. Assustei-me com tantos
depoimentos de violência obstétrica e experiências desagradáveis. E foi tentando
fugir dessa realidade, que me deparei com a possibilidade do parto domiciliar
planejado. Confesso que, à primeira vista, a ideia soou como um gesto de
rebeldia. E talvez seja, pois, na maioria das vezes, esse meu desejo foi
desencorajado e infantilizado. As dúvidas eram tremendas. “E se tiver
complicações?”, “será que minha obstetra topará?”, “será que é seguro?”, “será
que isso é para mim?”, “será, será, será...?”. E então, foi num encontro aberto da
equipe Hanami que pude tirar dúvidas, informar-me e, principalmente, me sentir
segura e acolhida. A confiança em mim não veio de uma hora para outra. Fizemos
o curso de gestante, estudamos bastante e trocamos experiências com as
meninas do Hanami e com os casais que estavam na mesma situação. As semanas
passaram voando!
Na minha mente, era certo que a Serena viria com 38 semanas, no
máximo, 39 semanas. Com as minhas amigas foi assim, comigo também haveria
de ser. Passaram-se dias, luas. A ansiedade só crescia. Após a 40 a semana, cada
dia que passava era a sensação de uma semana. Meu corpo estava inteiro pesado.
Saía pouco de casa, pois não conseguia ir muito longe sem precisar de um
banheiro. Não me agradava dirigir, tentar ler ou meditar, pois ficar sentada era
extremamente incômodo. À noite, conversava com a Serena e pedia para ela vir.
As enfermeiras do Hanami, Ju e Mari, me acalmavam a cada consulta, mas não
passava muito tempo, e a ansiedade voltava!
Com 41 semanas, eu, meu parceiro Thomás e as meninas do Hanami,
conversamos e decidimos iniciar o “despertar da Serena”. Tentamos induzir o
parto naturalmente com chá termogênico, ponto de acupuntura e dança. Porém,
nada da Serena chegar. E nem indicar sua chegada. Quando deram 42 semanas e
2 dias, o “despertar” virou “ultimato”. Tomei óleo de rícino, como orientado pelas
meninas. E não é que deu certo? Como elas mesmo diziam, “é batata”. Tomei pela
manhã e saímos para o supermercado. De repente, empurrar o carrinho tinha se
tornado difícil. A sensação era de que minha bexiga estava cheia e meu útero
ainda mais pesado. Precisava descansar. E assim, agilizamos as compras e
voltamos para casa.
No quarto, fiquei um tempo deitada na cama e ouvindo áudios de
hypnobirthing, o que foi muito interessante. Além da música que me
tranquilizava, eu deixava me convencer pelo áudio que dizia “o dia do parto é
extremamente estimado, não tenha medo, pelo contrário, desfrute-o. A cada
contração, sorria”. Lembro que veio uma contração tão forte que senti vontade
de correr para o banheiro. No meio de caminho, a bolsa estourou. E assim que
cheguei ao banheiro, vomitei. Pensei “assim não vai rolar!”. Decidi ir para o
chuveiro, para ver se aliviava o desconforto. Porém, as mulheres tranquilas no
chuveiro que eu assistia em vídeos de parto, não pareciam nada comigo. A cada
contração que vinha, eu sentia a necessidade de agarrar em algo. E mesmo
agarrando a janela do banheiro, aquele aperto - misturado com uma cólica
profunda- não minimizava. Fiquei braba. E a cada contração, o desespero só
aumentava. Foram-se alguns instantes até eu aceitar chamar as meninas (Ju,
Mari e Clara, fotógrafa). Meu parceiro Thomás entrou em contato e também
deixou a piscina pronta. Que grande alívio ficar imersa na água! Meu trabalho de
parto foi do inferno ao céu.
Dentro da piscina é que pude reorganizar meus pensamentos. Focava no
que a Ju tinha falado uma vez no curso “a sensação de parir não é de dor, é de
uma força interior”. E, desse modo, ia tentando administrar minha respiração. A
cada contração, eu expirava o mais lentamente possível. A sensação era de que a
força me fazia tremer por dentro. Quando Ju e Mari chegaram, me senti acolhida
e segura para continuar. Também estavam presentes, Clara, a fotógrafa, Kázia,
minha sogra e claro, meu parceiro Thomas.
O ambiente foi de paz total. A piscina encontrava-se na sala. No som,
tocava mantras de meditação, que em muitos momentos vocalizavam ao mesmo
tempo que eu. O dia ensolarado iluminava todo o ambiente. E o vento entrava
forte para refrescar! O Thomas estava junto a mim, me dando apoio, enquanto
cada pessoa sentava em um canto da sala. Observavam-me e faziam silêncio.
Estavam comigo e com boas energias. Nenhuma palavra foi dita, mas pude sentir
a energia de encorajamento de cada uma.
O parto foi intenso do começo ao fim. A expiração tornou-se gemidos que
depois tornaram-se gritos. Gritos compridos e agonizantes, pois vinham de
dentro da alma. A sensação era de que minha barriga estava tão pesada que
deixava minhas pernas dormentes. E era tão difícil de respirar. Porém, entre
intervalos de contração, o corpo relaxava profundamente. Coisas boas passavam
pela cabeça e me deixavam com vontade de dormir. Até tudo começar de novo! E
mais uma vez, eu tentava arranjar todas as minhas armas para atravessar aquela
tempestade.
No lado de “fora”, me ofereciam fruta e água. Controlavam a temperatura
da piscina e acompanhavam os batimentos do bebê. Serena estava chegando!
Mais uma vez, nada foi dito. Eu pensava “será que estou em trabalho de parto?”,
“acho que estou exagerando”, “como as pessoas têm três filhos? Passam três
vezes por isso!”. Os pensamentos corriam soltos, até que pela posição do
aparelho de ausculta no meu corpo, sabia que era hora. Coloquei a mão em baixo
e pude sentir a cabecinha da Serena. Sorri. Eu estava a poucos instantes de
conhecer minha filha. Ju me disse, “quando sentir que ela estiver vindo, você
pode levantar um pouco o corpo”. Ou, pelo menos, foi isso que entendi. Já não
sabia se era minha mente comandando para fazer força ou o corpo agindo por si
só. Sei que o grito foi comprido e Serena deslizou de uma vez só. Thomás a pegou
e colocou no meu colo. Nesse momento, Serena deu um grito e me olhou no
fundo dos olhos, até ser aninhada nos meus braços. Fiquei hipnotizada pela força
que ela carregava consigo. É a força da vida. Foi emocionante!
O resto da história todo mundo já sabe. Nascimento da placenta,
fechamento de um ciclo e início do tão temido puerpério. Agradeço as meninas
por não soltarem minha mão em nenhum momento. Atravessamos os traumas
físicos do corpo pós-parto e o início da amamentação. Foram inúmeras visitas,
mensagens por telefone, dúvidas sanadas e necessidades atendidas. Após um
mês, em nossa consulta de encerramento, senti-me como um navio que
finalmente podia desatracar. Nesse dia, Serena adormeceu sorrindo.
Gratidão eterna Ju e Mari por estarem presentes em um momento tão
íntimo e especial. Vocês foram guardiãs do nascimento da Serena e da jornada
de superação e empoderamento que foi a minha gestação. Assim, termino meu
depoimento com o desejo de que mais e mais mulheres possam parir no seu
tempo, e principalmente, envolta de amor, respeito e dignidade. Vida longa ao
Hanami!